Sobre o filme

Lindeiras é um filme que trata do sertão, histórico e também mítico, que aos poucos perde espaço e se desfaz. O nome Lindeiras é a designação utilizada décadas atrás para as cidades situadas às margens das linhas de trem. É através desse percurso, por trilhos enferrujados e esquecidos, que faremos uma viagem ao interior do sertão baiano, de Alagoinhas à Juazeiro, para olharmos com cuidado as paisagens e pessoas que compõem esse universo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O ponto de partida


No dia 22 de novembro começou nossa viagem de pesquisa rumo a um sertão profundo que por enquanto é apenas um sentimento expresso de forma poética no projeto de Lindeiras, mas que aos poucos começa a ganhar forma, cores e sons. O ponto de partida escolhido foi o município de Queimadas, a 324km de Salvador.  A escolha de começar por uma pequena cidade do sertão foi uma forma de nos aproximarmos de um outro tempo onde os kilômetros e as horas não passam tão depressa. De fato, em Queimadas, nada tem pressa de acontecer, ao contrário, as coisas também não tardam. Tudo acontece na sua hora, sem aperreio, sem agonia. Por mais que o nome da pousada onde ficamos (Flesh - sim, flesh com E) remetesse à rapidez de um trem bala, o trem que procurávamos aqui anda a pouco mais de 30km por hora.

Uma imagem de Santo Antônio na entrada da cidade revela o padroeiro do lugar. Enquanto procurávamos a casa de Seu Corcino, melhor comida do lugar, íamos observando devagar a praça central, a igreja matriz e as ruas pequenas da calma cidade do interior. Depois de um breve descanso, saímos em busca da Rua da Estação. Em Queimadas, buscávamos uma ruína.

Faz pouco mais de um ano que parte do casarão da antiga estação desabou, assustando os moradores e materializando o sentimento de abandono que acompanha quem passa pela estação. Uma grande caixa d’agua com o logotipo da Leste Brasileiro é uma companheira silenciosa que sobrevive imponente, a poucos metros da antiga estação.

Segundo alguns de seus moradores, Queimadas é a cidade do “já teve”, e mesmo querendo evitar um mergulho nesse saudosismo tão profundo, sabíamos que por ali, falaríamos apenas do passado, do tempo que não volta mais. O dinamismo que a pequena cidade conheceu na época áurea do trem, não se parece em nada com a dispersão que vive agora tendo crescido para o lado de uma rodovia.

Foram horas de conversas com pessoas que ao nos receber, faziam uma viagem rumo às memórias de sua vida. Aos poucos ficamos sabendo que a mobília do casamento de Dona Zó chegou no trem noturno, junto com o amanhecer, há 47 anos atrás; ainda com alegria Isane nos contou das latas de água que ela carregava da estação até sua casa na época de seca quando o trem trazia “água da boa” de Serrinha para abastecer a comunidade de Queimadas. A estação de trem era o centro de abastecimento e festivo da cidade. Com a possibilidade de viajar para a cidade ao lado, insituiu-se o namoro intermunicipal, por isso a cidade vivia um alvoroço a cada anúncio de chegada da maria fumaça.

Em cada uma dessas histórias fomos somando afetos à nossa caminhada. Ao contrário da linearidade exata da linha do trem, para mim tem ficado claro que o Lindeiras se consituti fundamentalmente de linhas sinuosas que se confundem e desdobram nas encruzilhadas da memória.

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